No último 1º de abril, aniversário do Golpe Militar de 1964, Ciro Gomes, Luciano Huck, João Dória, Henrique Mandetta, João Amôedo e Henrique Leite, todos nomes presidenciáveis, divulgaram carta em defesa da democracia e tecendo críticas ao atual presidente (que este blogue adotou por linha editorial não citar nominalmente). O documento é facilmente encontrado na internet e, por essa razão, não será reproduzido aqui.
Vamos analisar aqui os bastidores e a repercussão.
Primeiro a se destacar é a ausência (proposital) de Sérgio Moro. Moro justificou-se dizendo que não poderia imiscuir-se em questões políticas em razão do contrato que por ora o prende a serviços advocatícios. Não obstante o pano de fundo permeado pelos objetivos políticos de todos que assinam a carta, transparecer a defesa da democracia é essencial no momento em que nos encontramos, ainda de instabilidade em razão do golpe parlamentar de 2016.
Outro ponto é que o Moro não se demorou a soltar nota no instante em que as condenações de Lula foram anuladas em razão do reconhecimento da incompetência da 13º Vara Federal de Curitiba, num primeiro momento, e, posteriormente, a declaração de suspeição na atuação como juiz, imiscuindo-se de fato em questões que não cabem mais a ele por não estar mais exercendo a função pública.
Segunda questão a se destacar é o abandono das forças liberais do barco do presidente. Mais uma vez, em mais uma eleição, como foi a de 2018 e as outras, a falácia da escolha difícil imperou. E levanto o questionamento: será que só as pessoas de esquerda estavam cientes de toda a desumanidade que o presidente representa? Amôedo, Dória e Mandetta, que surfaram na onda fascista para arregimentarem mais capital político terminaram sendo usados também (assim como outros não citados aqui) e abandonados quando foi conveniente.
Visto que, independente do pensamento reacionário do presidente, os ditos "liberais" continuam agindo como agiram no Golpe de 1964: contra um regresso da esquerda ao poder, se aliam ao conservadorismo. E o resultado está aí, mais uma vez.
De Ciro nem se fala: lavou as mãos na eleição de 2018.
Terceira questão a se levantar é a representatividade dos signatários. Todos homens brancos cis e heterossexuais. Em um mundo que pede cada vez mais representação da sociedade por parte de seus representantes, não ter entre signatários mulheres, pessoas negras e da comunidade LGBT+ é como supor que, nesses recortes sociais, não há ânsia por democracia.
2020 foi o ano em que o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) foi o destaque e, no entanto, não foi representado na carta pró-democracia dos presidenciáveis. Péssima largada para aqueles que estão se propondo a ser presidente.
A frente pela democracia deve ser ampla e deve ser ampla entre aqueles que defendem a democracia. Se ao meu lado não está representada uma pessoa que porventura eu conversaria se eleito presidente, como um representante do movimento negro, uma mulher ou da comunidade LGBT+, a frente ampla não é tão ampla assim.
Por fim, um questionamento que muitas pessoas levantaram e que deve ser rebatido. A frente ampla por democracia pode ser composta por quem se arrependeu de apoiar e votar no atual presidente? A resposta é: sim! Para combater o fascismo de Mussolini, fizeram parte da Resistência e marcharam lado a lado monarquistas, liberais, socialistas e comunistas.
Mas é preciso ir além: é preciso exigir dos liberais que parem de ser dúbios quanto a falta de democracia se isso implicar crescimento econômico. O liberalismo clássico sempre exigiu liberdade tanto no campo econômico quanto no campo individual - e esse é o mais ético e moralmente aceitável.
Qualquer tipo de crescimento econômico fora das liberdades individuais e políticas passará para a história como uma mancha que demorará a ser apagada, como foi em 1964.
Diante do que foi dito, a carta termina sendo o mínimo que poderia ter sido feito e não foi. Faltou representatividade e faltou serem mais incisivos.